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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Entrevista - Thiago Delegado

"Eu adoro ter uma casa toda semana, despretensioso, sem querer nada de grandioso, sem ficar pensando em ganhar dinheiro. Aqui é meu lugar de aprendizado. Tenho prazer em tocar com os meus amigos, sair, tomar uma cerveja e ver o povo."


Para fechar a série de reportagens "Vamos tocar violão?", nada melhor do que um papo com alguém que entende do assunto.



facebook.com/ThiagoDelegado
Thiago Delegado é violonista, apontado como uma das grandes revelações da música mineira nos últimos anos. Nascido em Belo Horizonte e criado em Caratinga, Thiago vive hoje na capital mineira, onde conquistou o seu espaço como instrumentista respeitado. Atualmente, com 28 anos, o músico se dedica ao estudo do violão de sete cordas.

Ainda criança, fez aulas de piano e, aos 12 anos, começou a tocar violão. Durante a infância, ouvia e apreciava bossa nova e samba. Aos 16 anos, ainda sem pretensões de ser um músico profissional, voltou para a capital mineira para estudar e fazer faculdade. Aos 22, se formou em Engenharia de Telecomunicações e, ao mesmo tempo, começou a tocar profissionalmente na noite. O choro do Pedacinhos do Céu, em Belo Horizonte, marcaram a carreira artística de Delegado, nos anos 2006 e 2007. Em 2008, ganhou o Prêmio Jovem Instrumentista BDMG Cultural. É parceiro de trabalho de Aline Calixto, Renegado, Vander Lee, entre outros.

No último domingo, dia 04 de dezembro, Thiago gravou o segundo disco na carreira, no Museu de Arte da Pampulha. O evento contou com a participação especial de Toninho Horta.

Apesar do crescimento contínuo da carreira, Thiago não abre mão de tocar com os amigos, toda quarta-feira à noite, na A Casa, em Belo Horizonte. A Delegascia, que acontece há dois anos, reúne, além do violão de Delegado, o baterista Mateus Bahiense, o baixista Trigo e o saxofonista e flautista Sérgio Danilo. O repertório passeia pelo samba, choro, maxixe e bossa nova, quase sempre instrumental, em clima descontraído.

Na última quarta-feira (09), fui à A Casa e conversei com Thiago, antes de curtir o som da Delegascia.


Você começou a estudar música através do piano. Porque a mudança para o violão? Existe algum motivo?
TD: Foi a praticidade. O violão é um instrumento que, à primeira vista, é mais fácil de tocar. No primeiro contato, você consegue tocar mais músicas no violão do que no piano. É um instrumento mais popular, no sentido de você tocar as músicas populares. Eu tinha ganhado um SongBooks do Tom Jobim para estudar piano, mas via meu pai tocar violão e comecei a estudar as posições. Foi uma coisa natural. É um instrumento mais prático de levar para as festinhas, tocar com o pessoal.

Você sempre estudou sozinho?
TD: Piano eu tive professor. Violão foi uma coisa meio intuitiva, mas não sempre. Quando eu mudei para Belo Horizonte, com 16 anos de idade, eu tive seis meses de contato com um professor, quando aprendi a importância de deixar minha unha crescer. E quando eu ganhei o prêmio jovem instrumentista, eu tive aula de seis meses também com o Celso Moreira. Mas era uma troca de experiências, na verdade. Celsinho é um camarada maravilhoso, um professor muito respeitado.

Com Toninho Horta - ÉLCIO PARAÍSO/BENDITA ÉLCIO PARAÍSO/BENDITA
facebook.com/thiagodelegado
Quando adolescente, você gostava de ouvir Tom Jobim, Bossa Nova, ou seja, uma música incomum para garotos da sua idade e da sua geração. A tendência nesta fase é tocar rock e pop rock, por exemplo. Como foi isso para você?
TD: Em Caratinga não tinha nada assim. Tanto que eu fui me profissionalizar mesmo como músico profissional aos 22 anos de idade, uma coisa meio tardia. Lá eu tocava Caetano, Chico, MPB, que era aquilo que eu gostava mesmo. Eu não tinha muito essa preocupação. Já tive banda de rock em Caratinga. Tocava baixo e era vocalista do Tumulto - o nome da banda! Lembro do meu primeiro Festival de rock de Caratinga, eu tocando baixo e cantando... Foi uma experiência legal e muito diferente. Mas não era exatamente aquilo que eu gostava. E eu nem tinha a pretensão de mexer com música naquela época, não deslumbrava isto. Minha carreira foi toda muito tarde. Eu até me formei em Engenharia antes.


Já bateu algum arrependimento por você ter feito faculdade de engenharia e não ter feito faculdade de música, por exemplo?
TD: Não, não... sabe por que? A gente agrega tudo. Tudo é experiência. Quando eu mudei para Belo Horizonte, eu era muito menino, do interior mesmo. Eu não sei se eu teria cabeça ou maturidade para encarar o que é produzir uma carreira musical hoje em dia. Isto é difícil, não é só tocar. Tem toda uma coisa de produção, de correr atrás e de se relacionar. Acho que com 16 para 17 anos, eu não tinha nem técnica violonista e nem cabeça, eu acho, para administrar isto. Foi bom, foi importante.


Quando você decidiu seguir carreira musical? Tem algum marco?
TD: Foi quando eu entrei para o Pedacinhos do Céu. Na verdade, não foi muito linear. Ausiel, dono de lá, me chamou para tocar toda quinta, sexta e sábado, Choro, choro e choro. Então comecei a encarar aquilo como os primeiros cachês, como uma coisa profissional. Meu principal compromisso nessa época era o choro no Pedacinho do Céu. Daí, comecei a pensar “ah, pode ser que dê certo esse negócio de mexer com música”.

E o violão de sete cordas...
TD: Veio no choro, veio com o Pedacinhos do Céu. Meu primeiro contato com o violão de sete cordas foi ver o Geraldinho tocar, que toca lá até hoje. Achei aquilo muito legal. O Ausiel então me sugeriur: “vamos fazer um violão de sete pra você”. Encomendamos ao luthier Mário Machado... e meu pai me deu o violão. Na verdade, todas as ferramentas do violão de seis estão contidas no de sete. Então foi só uma adaptação mesmo, bem natural. Através do contato com o instrumento, você vai aprendendo e escutando, momento de aprendizado é muito o momento de escutar.


Falando agora do seu novo disco, gravado no último domingo no Museu de Arte da Pampulha. O que mudou deste trabalho para o primeiro?
TD: O primeiro disco foi uma miscelânea. Eu o considero um registro de uma geração... da minha geração, que eu tenho orgulho de fazer parte, que eu considero muito ativa e muito criativa. É um disco que tem muitos músicos e muitos estilos também. Eu não preocupei em fazer um disco com uma formação fixa. Preocupei em dar uma roupagem que eu achava ideal para cada música. Cada música pedia uma coisa. Já no segundo agora, foi o contrário. Gravamos com um trio. Por mais que a música pedisse absurdamente uma bateria, uma coisa rítmica e mais forte, eu tentei trazer isto para uma coisa minimalista. Foi um desafio que eu acho que deu certo.


E como você considera sua música?
TD: Brasileira, super brasileira. Minhas influências de infância não vieram da música estritamente mineira, como o Clube da Esquina, Milton. Eu não escutava muito isso em Caratinga. A minha formação foi mais de samba e bossa nova, como o Tom Jobim. E até hoje eu escuto isso em casa. Adoro João Gilberto, Chico, Paulinho da Viola, assim como Toninho Horta, Milton, Juarez Moreira... São influências que agora fazem parte da minha vida. Então eu considero minha música uma miscelânea de tudo que eu vou escutando e vou aprendendo, mas sempre partindo da música brasileira.

Tem algum violonista que você considera referência?
TD: Tem vários. Baden, Rafael Rabelo – pra mim o maior violonista que o Brasil já teve, incrível - Yamandu – hoje em dia eu adoro o som que ele tira do violão, acho super interessante; tem um guitarrista, o Lula Galvão, é um violonista maravilhoso, de improvisos incríveis; tem o pessoal daqui de Minas - o Juarez Moreira, o Toninho Horta. São vários que são influências e referências para mim.
Com a parceira Aline Calixto
facebook.com/thiagodelegado

Sua formação é praticamente toda autodidata. Você acha que isto é por talento? Para alguém que quer aprender a tocar, o que recomenda?
TD: Eu recomendo o seguinte: goste daquilo que você faz. Porque muita gente também coloca muito essa coisa de autodidata como se fosse uma coisa mágica, genial. É só um método diferente de aprender. Eu estudo tanto quanto um camarada que frequenta uma escola de música. São apenas caminhos diferentes. Meu jeito de aprender é tocando com as pessoas, conversando e trocando ideias, escutando e buscando com o instrumento, desenvolvendo minha própria técnica, meu próprio estudo, maneiras de adquirir velocidade, limpar o som. Eu não recomendo nada, além de gostar de música e gostar do que fazer. Tenha prazer de tocar. Dos sete que tocam comigo, três vieram da escola, três são autodidatas, além de mim. É tudo misturado e são todos excelentes músicos que acrescentam ao trabalho, cada um da sua maneira, com conteúdo acadêmico ou não. O importante é fazer a música bonita, não interessa onde você aprendeu. O que interessa é o sentimento.

Nas suas viagens pelo Brasil, como é para você a responsabilidade de levar Minas Gerais na sua música, considerando que o nosso Estado é um recinto de grandes nomes da música?
TD: Ao mesmo tempo em que é uma responsabilidade, é um prazer muito grande. Toquei agora recentemente em Salvador, vou tocar no fim de semana no Espírito Santo. O trabalho vem sendo reconhecido. Vejo através de prêmios, das pessoas que me procuram pela internet, por exemplo, pedindo o disco, dizendo que escutou (as músicas estão disponíveis na internet), é super gratificante. Se o trabalho caminha, o reconhecimento é consequência.  Hoje quero divulgar, tocar, fazer shows. Eu deixo acontecer.

Como você vê o futuro, considerando que a sua música é direcionada para um público mais segmentado?
Tem muito espaço para esta música também. Temos outros estilos de música e eu acho necessário existir. Eu não sou contra, não sou radicalista nesse sentido. Existe espaço para quem faz música do meu estilo sim. Claro, poderia ter mais festivais, sermos melhores remunerados e o Brasil reconhecer mais como o exterior reconhece. São falas meio clichês, mas que realmente são verdadeiras. Não é por acaso que isso é tão falado. Mas existe espaço para crescimento, para produção, para pessoas que apreciam todo o tipo de música curtirem o que gostam. Isso tem no Brasil inteiro, muita gente que gosta de música boa, musica que tem algo para acrescentar.

Você já é um músico conhecido e respeitado há vários anos. O que move você a tocar aqui toda quarta-feira, há dois anos?
Aqui foi minha grande escola. Foi aqui que o meu violão deu uma evoluída grande. Comecei a tocar toda semana com bateria, com baixo, com espaço para improvisação, recebendo os músicos, e vendo-os improvisar. Aqui é o meu modo de estar em contato com os músicos, de marcar meu nome na cena da cidade e da minha geração de músicos. É sempre um lugar de encontro de grandes músicos que já passaram por aqui e que já tocaram comigo. Pessoas de Minas e do Brasil, como Toninho Horta, Juarez Moreira, Fabiana Cozza, Aline Calixto, Flávio Renegado, músicos americanos, africanos já passaram por aqui. É um modo de agitar um pouco a cena da minha geração, um modo de eu aprender a estar em contato com a música improvisando, em contato com os meus amigos. Eu gosto muito de estar aqui toda semana, tomar um uisquinho, uma cervejinha, tocar violão com meus amigos, que é uma coisa que me acrescenta muito. Os projetos surgem muito daqui. Meus discos vieram do contato com os músicos daqui. Eu adoro ter uma casa toda semana, despretensioso, sem querer nada de grandioso, sem ficar pensando em ganhar dinheiro. Aqui é meu lugar de aprendizado. Tenho prazer em tocar com os meus amigos, sair, tomar uma cerveja e ver o povo.

O Milton Nascimento já esteve no Delegascia. Você ficou nervoso tocando com ele assistindo?
A gente toca com um pouco mais de responsabilidade e menos p...louquice (rs). Afinal de contas, o cara é uma referência, a gente admira. E sempre que vem alguém especial, como o Yamandu, que também já veio aqui, eu fico nervoso também. Mas é legal, dá um friozinho na barriga legal. A gente toca com um pouco mais de consciência, não fica pensando só em fazer festa, fazer farra. É uma honra.

Pensa em sair de Belo Horizonte?
Não, de forma alguma. Viajo muito, vejo outras cidades, mas penso que o movimento da música que é feito em Belo Horizonte é muito interessante, muito heterogêneo. Os movimentos que acontecem aqui envolvem todos os tipos de música. Belo Horizonte tem espaço para projetos.  Eu acho a cena daqui mais interessante que a cena do Rio e São Paulo, lugares que eu vou muito. Talvez em Pernambuco, nos anos 90, já teve uma cena que eu vejo em BH atualmente. É uma cena que tem conteúdo, uma heterogeneidade grande. 


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Confira o talento de Thiago Delegado, tocando "Serra do Curral":




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