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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Entrevista - Bruno Branco

"Hoje eu consigo fazer uma música inocente. Uma música que não tem uma finalidade apenas comercial e não tem uma finalidade apenas religiosa ou apenas de entretenimento."

Bruno Branco é músico e compositor, nascido em Belo Horizonte. Aos 30 anos, ele acaba de lançar o primeiro CD solo da carreira, o álbum “Lado a Lado”. Em um som folk e acústico, gravado com três violões, um banjo, escaleta e alguns recursos de percussão, Branco discute, com muita poesia, os conflitos do jovem brasileiro através dos princípios cristãos e das experiências dele. Autor de todas as canções do disco, ele resume o objetivo do trabalho: fazer músicas para serem ouvidas com o tempo. “O disco deve ser degustado, é atemporal”, explica. O trabalho foi produzido por Jordan Macedo, responsável pela gravação de grandes nomes da música cristã, como Thalles Roberto e Palavrantiga.

Também empresário e formado em Direito, Bruno se tornou cristão ainda na adolescência. Ele conta que a infância foi difícil, pois perdeu a mãe no parto dele e conviveu com o pai lutando contra o alcoolismo, que faleceu há sete anos. O compositor enfatiza que, dentro da criação conturbada, aprendeu a expressar os sentimentos para Deus.

Apesar de ter lançado o primeiro CD solo somente no final deste ano, Bruno já percorreu um longo caminho na música. Em 1999, compôs e interpretou duas canções para o álbum “Jesus Cristo Reina”, da Comunidade Batista Shalom, de Belo Horizonte. Depois compôs para alguns artistas regionais até emplacar duas canções (“Além do Véu” e “Marca-me”) no álbum “Sol à Meia Noite”, um trabalho solo de Luciano Manga, ex-vocalista da banda Oficina G3. Manga também faz parte do Ministério Vineyard no Brasil.

Bruno também compôs e gravou duas canções para um CD do Ministério Clínica da Alma, da Igreja Batista da Lagoinha, que acabou não sendo lançado.

Neste ano, Branco vinha como vocalista da banda Cinco Solas, que também estava preparando o lançamento de um disco. Mas, realizando um sonho antigo, ele seguiu com o trabalho solo.
Atualmente, tem tocado em encontros de debates teológicos, igrejas e em casas de shows seculares.

De forma transparente, Bruno falou sobre o disco, do processo de amadurecimento como pessoa e compositor e mostrou um pouco da sua visão sobre o cenário atual da música cristã no país.




Quando a música e a composição despertaram para você? Existe algum marco?
B.B: Fui autodidata na música. Desenvolvi logo no início da convivência na igreja batista, onde a parte musical é muito aguçada. Fui desenvolvendo, tocando teclado, violão e comecei a me interessar também pelo canto. Antes de ir para a igreja, eu já escrevia e sempre tentava pensar em música, ou seja, sempre tive essa tendência.  Então desde quando me converti, aos 14 anos, sempre estive envolvido na parte musical. Observava que as igrejas tinham excelentes músicos, com várias influências, como MPB, Jazz, Blues e Rock. Eu ficava feliz por isso, mas ficava triste por não ver muitos poetas, por não ver pessoas que desenvolviam música com letra. Então, com o amadurecimento pessoal e como cristão, fui despertando para o meu lado artista: o Bruno poeta, o Bruno compositor. E, atualmente, de todas as coisas que eu faço, o que mais me traz prazer é compor.

Durante a caminhada na música, você fez participações, compôs para outras pessoas e chegou a gravar discos que não saíram. Especificamente sobre um trabalho solo, como foram as tentativas anteriores?
B.B: Estou neste caminho há praticamente 12 anos (de gravação, de composição). Mas só decidi lançar apenas agora um disco solo porque só hoje sinto confortavelmente que tenho uma identidade. Sinto que a música que componho não parece com a música de ninguém. Quando escrevemos, no início da carreira como compositor, geralmente  se aproximamos das bandas e dos artistas que nos influenciam. Só que chega um determinado momento que você consegue se desprender disto e ser você.  Acho que esse momento é agora.

E você se arrepende de ter se lançado um pouco tarde, depois de ter feito uma faculdade e tantas outras coisas?
B.B: Não me arrependo. Hoje eu consigo fazer uma música inocente. Uma música que não tem uma finalidade apenas comercial e não tem uma finalidade apenas religiosa ou apenas de entretenimento. Eu consigo hoje viver a música e assumir isto independente de críticas. E isso veio depois de uma formação em um curso superior, de maturidade por ter passado por algum tipo de experiência que com 20 anos, por exemplo, eu não teria.

E como você considera sua música? Considera religiosa, gospel, cristã?
B.B: Considero minha música, música. Eu acho que definir como religiosa ou algo parecido rotula e acaba se gerando um preconceito que impede que ela cumpra o papel, que é, simplesmente, de ser música. Acredito que a música é um reflexo, uma extensão da pessoa. E como uma extensão da pessoa, ou seja, uma extensão de mim mesmo, ela vai refletir os princípios que eu vivo, e estes princípios são cristãos.

Quais são suas influências musicais e como você define o seu som?
B.B: Fui muito influenciado por Daniel de Souza, Adhemar de CamposRebanhão, Rodolfo Abrantes e Sideral, além da MPB e do rock nacional dos anos 80, estilos que a minha família ouvia muito. Sempre digo que faço um som folk em uma música alternativa.

Porque escolheu gravar somente com instrumentos acústicos?
B.B: Neste processo de amadurecimento, de identidade como compositor e como músico, eu recebia diversas dicas de produtores, de músicos para que eu gravasse um CD voz e violão, para que a poesia e as letras das músicas fossem valorizadas. E quando eu procurei o Jordan Macedo, que produziu o meu disco, queria fazer um disco de banda. E neste processo ele disse: “cara vamos gravar um disco voz e violão”. E pra mim foi uma confirmação das várias pessoas que vinham falando isso comigo. E realmente eu componho minhas músicas no violão. Acho que deu certo e assumi realmente essa cara para o meu trabalho.

Todas as letras tem muita poesia e elas convidam para a reflexão. Não são letras muito prontas. É preciso ouvir e interpretar. Você consegue explicar o porquê? É natural ou intencional?
B.B: Isso é super engraçado porque, às vezes, quando eu explico para alguém o sentido da letra de alguma música é completamente diferente do que a pessoa entendeu quando ela ouviu. E não faço intencionalmente. Quando eu componho uma música, a minha família e pessoas que andam comigo, sabem que aquilo ali é exatamente o que estou vivendo. Me sinto, de certa forma, até exposto. Mas quando eu ouço a reflexão das pessoas sobre aquela música, vejo que elas entenderam algo completamente diferente. E isso é muito legal. Não faço isto intencionalmente não. Para mim, a letra está simples e clara. Mas fico feliz porque a pessoa acaba interagindo coma música. Então ela não se torna apenas algo para se reproduzir em um aparelho. Quem ouve acaba produzindo a própria música dela.

O produtor Jordan Macedo

O produtor Jordan Macedo, em recente entrevista ao site Supergospel, disse que está produzindo o disco do Bruno Branco, um mestre da composição cristã. O seu talento para compor já é referência. Lembra quando foi a sua primeira composição?
B.B: A minha primeira música eu criei para falar de amor, de um sentimento de um homem para uma mulher, eu acho. Antes de eu ir para a igreja, eu comprava revistinhas para violão. Mas não tinha paciência ficar pegando muitas canções. Então pegava três ou quatro acordes, que eram fáceis, e ali eu criava uma música. Eu pegava um caderno, anotava algumas frases e encaixava aquelas notas e começava a cantar encima daquilo. Mas sem nenhuma pretensão. Foi assim que comecei. Eu não sei qual a música em específico, porque fiz várias. Mas posso dizer que aprendi a tocar violão fazendo música. Até hoje, não costumo pegar o violão e tocar músicas de outras pessoas. Sempre toco as minhas.


E atualmente, o que você ouve e o que você lê?
Leio sempre O príncipe, de Maquiavel. Gosto muito deste livro. Aprecio biografias também. Estou lendo a do Nelson Mandela. Também leio muito sobre os reformadores da igreja, como Lutero. Minha leitura bíblica tem sido através da “Blíblia A Mensagem”. Nunca leio apenas um livro por vez.

Tem alguma composição especial para você, por algum motivo?
B.B: Toda canção é especial para um tempo. Para escolher uma, vou falar da “A Reforma”. Essa foi exatamente o momento em que eu tive mais um processo da minha conversão. Ela significa muito, porque foi uma mudança do meu estilo de pensar e de enxergar o evangelho. Ela carrega uma nova direção de Deus para a minha vida.

Porque a música “Lado a Lado” foi escolhida para dar nome ao CD?
B.B: Tentamos não fazer um disco enjoativo. É um disco que carrega várias épocas da minha vida, mostrando os frutos de andar lado a lado com Deus: nas crises e nos momentos bons. O nome é um resumo do disco. Ele foi feito lado a lado com Deus e com as pessoas também que participam da minha vida. E por ser um CD com músicas de reflexão, ele foi feito com a intenção de uma pessoa tê-lo lado a lado por muito tempo.

As músicas escolhidas foram feitas para o CD ou são de gaveta?
B.B: Todas são de gaveta. A primeira seleção resultou em 15 músicas. Para chegar a oito, foi uma escolha conjunta com o produtor Jordan.

Você falou sobre preconceito. Algum líder cristão já criticou a sua música?
B.B: Já recebi críticas, mas isto este tipo de preconceito tem diminuído. Percebo que existia uma separação que foi extremamente prejudicial para o mundo e para a arte: a arte cristã ser desvinculada da arte em geral. É como se a cristã tivesse um mercado restrito aos cristãos. O cristão e a arte cristã se contentaram em um processo ditatorial. No Brasil, os cristãos, durante muito tempo, se retraíram em seu próprio grupo e acostumaram a fazer música com a linguagem cristã que não saía desta esfera. Hoje, vejo que a musica em geral não quer mais essa separação. A música quer abraçar a música cristã que não é necessariamente religiosa. A música não é algo separado do ser, ela fala dos frutos do ser. Por isso que é muito perigoso dizer que um cristão não houve determinadas músicas. Se não houve, é porque simplesmente a mensagem da canção não bate com os princípios dele. Não é porque a musica não é religiosa. Ele entende que aquilo fala e transmite determinadas atitudes. Agora, as gravadoras e a mídia estão precisando novamente da arte cristã, não necessariamente religiosa, mas de algo que tem princípios, que nem sempre vai falar de sensualidade ou de um relacionamento homem e mulher, mas de uma música que irá falar também de politica, que vai falar também do relacionamento com o próximo, de conflitos sociais. Acho que estamos migrando de novo. Sinto-me feliz porque demorei a amadurecer e chegar no ponto que queria. A minha dentista, por exemplo, que não frequenta nenhuma religião, gosta do meu disco e recomenda-o para outras pessoas. O que eu sempre tentei evitar é que meu disco ou a minha música ficasse limitada a um nicho de pessoas. Eu não vivo só neste nicho. Acho que agora a igreja aprendeu que um artista pode se expressar através de um quadro, por exemplo, e que nem sempre esta expressão terá a finalidade de dizer que o outro está errado. A minha música não é para dizer que o outro está errado. É para dizer o que eu vivo. Se alguém se identificar com aquilo que canto, glória a Deus. Eu sei que ela vai influenciar, porque a palavra não volta vazia.

Crédito da Foto: Andre Oliveira
Na última década, principalmente, este tal nicho se tornou um expressivo público consumidor e, a música “gospel”, um produto, resultado de uma visão talvez excessivamente mercadológica. Muito dinheiro começou a ser gasto com canções que, por exemplo, falam de forma taxativa sobre “milagre e vitória”. Mas das oito faixas do seu disco, nenhuma faz referência a este nicho. Como você enxerga que as pessoas da igreja evangélica irão receber a sua música? Elas sentirão falta deste apelo?
B.B: Existe uma ‘igreja’ dentro da igreja. E é essa ‘igreja’ que eu amo. Muitos queriam o milagre e a fama de Jesus, mas poucos queriam ouvir o que ele dizia. Acredito que minha música pode não atingir a multidão, mas pode mexer com aqueles que se cansaram de uma mensagem populista, de uma mensagem de ego, que valoriza o milagre, o dinheiro. Essa igreja é grande, mas é multidão. Mas àquela que faz a diferença vai gostar da minha música.

E sobre esta abertura da mídia secular para a música cristã?
B.B: Tenho ouvido muitas críticas da abertura do mercado para o gospel. Mas talvez vamos agora colher os frutos daquilo que plantamos a vida inteira como, por exemplo, dizer que pirataria é pecado. Na verdade sempre vivemos o certo. Um princípio nosso nos protegeu. Se agora a mídia e as gravadoras estão procurando a música cristã, é porque não nos vendemos antes. Agora, como em todos os segmentos da indústria fnográfica, existem pessoas que se aproveitam da multidão. Sempre haverá alguém para fazer música evangélica para entretenimento. Acho que até tem que ter, mas cada um é responsável pelo que fala, pelo que produz e pelo que planta. Vemos hoje que quem plantou boas músicas, boas letras e algo verdadeiro, permaneceu. Isso que é importante. Compositores como Adhemar de Campos e outros que considero minhas influências plantaram coisa boa. Mesmo que hoje eles não vendam para a multidão, sempre comprou um CD quando é lançado. Quero este tipo de público.

E como você enxerga o Bruno no futuro, como compositor?
B.B: Me imagino ajudando novos compositores e novos músicos a terem espaço e a conseguirem expor a extensão da deles, principalmente cristã, na arte, com mais facilidade que eu tive. Não sei se até lá vou estar gravando, mas entendo que meu papel é este. É de ser uma ponte para esta transição. Acho que, daqui a 10 anos, a música cristã corre o risco de estar vendida, mas temos grandes chances de termos compositores e músicos maravilhosos, cristãos que compõem os princípios do cristianismo sem rotulação nenhuma.

Mas você não acha que essa venda já começou dentro da própria igreja, a partir do momento em que vários compositores descobriram uma música gospel-evangélica comercial que gera muito dinheiro?
B.B: Infelizmente, essa venda sempre existiu. Mas agora ela vai incomodar mais. Quem compra disco original hoje, na maioria, é cristão. Cabe aos lideres religiosos, teólogos e formadores de opinião contribuir para que músicos cristãos estejam conscientes do papel e da importância desta abertura que está tendo agora, para que eles façam uma música verdadeira. Porque se a música falar de vitória, mas for verdadeira, ela é justa. Essa venda já existia sim. Agora está mais pública, mas o mundo já se vendeu, faz parte, infelizmente. Por isso que muitos artistas, seculares ou religiosos, já saíram das gravadoras. Infelizmente, a multidão existe e ela gosta de ser massageada. Quem massageia a multidão, fica rico.

O seu CD está disponível para download em seu site, além de poder ser ouvido on-line. Porque desta escolha?
B.B: Estou em negociação com algumas gravadoras e distribuidoras para conseguir fazer o disco chegar às lojas, para as pessoas terem acesso. Mas neste momento achei melhor disponibilizar o disco para que ele chegue a lugares que eu não conseguirei distribuir. A tendência dos próximos trabalhos, claro, é não disponibilizar o disco todo. Gravar com qualidade é caro. Uma das coisas que atrapalhou a música cristã foi a demora de valorizar o artista cristão e reconhecer um trabalho feito com seriedade e suor. Estou, inclusive, negociando a gravação de um DVD e quero já ter uma empresa para dar vazão ao disco.

Para finalizar, consegue resumir o disco Lado a Lado em poucas palavras?
B.B: O disco é muito verdadeiro, é uma extensão destes últimos anos da minha vida, carrega uma inocência. Ele não foi pensado para uma tribo ou mercado. É um disco para ser degustado com tempo. É atemporal. É o resultado de uma coragem de saber que tenho algo que pode não ser importante para a multidão, mas pode ser importante para alguém. Se for, valerá muito a pena.

Conheça mais da poesia de Bruno:



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2 comentários:

  1. Música muito boa... poesia, arte, reforma e coragem. Nas entrelinhas um cristianismo puro e simples. Excelente!

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  2. É muito bom saber que aquela poesia que há muito estava perdida se faz descoberta e cheia de Vida. Melhor ainda é saber que enquanto existir o Amor ela permanecerá e encherá nossos corações de alegria, traduzida em palavras simples e de valor imensurável. E o Bruno, como ninguém, tem a sensibilidade ímpar de decifrar os enigmas cotidianos e transformá-los em doces canções carregadas de sentimento e poesia. =] Seus versos são ele...

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